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    Redes da Meta facilitam aplicação de golpes financeiros, aponta estudo

    O Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab), vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicou nesta quarta-feira (5) os resultados de um estudo sobre a presença de anúncios maliciosos nas redes sociais administradas pela Meta, como Facebook, Instagram e WhatsApp. O objetivo foi ampliar o conhecimento sobre a publicidade enganosa, por meio da qual são aplicados golpes aos cidadãos brasileiros. Os resultados indicam que as plataformas da Meta estão sendo vistas por golpistas como um terreno fértil para a prática de fraudes.

    O estudo envolveu um intenso monitoramento entre 10 e 21 de janeiro deste ano. Esse período coincide com os desdobramentos da edição da Instrução Normativa 2.219/2024 pela Receita Federal. O texto fixou a obrigatoriedade de operadoras de cartões de crédito e instituições de pagamento apresentarem semestralmente determinadas informações sobre operações financeiras de contribuintes. A medida, que passou a valer a partir de 1º de janeiro de 2025, desencadeou uma onda de notícias falsas, segundo as quais as transações por Pix passariam a ser taxadas. Pressionado pela disseminação das fake news, o governo federal acabou decidindo revogar a nova regra no dia 15 de janeiro.

    De acordo com a pesquisa, a onda de notícias falsas fomentou dúvidas na população, e estelionatários aproveitaram o momento para aplicar golpes. Ao todo, foram identificados 151 anunciantes que compartilharam 1.770 anúncios com conteúdo malicioso. Também foram mapeados 87 sites fraudulentos para os quais os usuários eram redirecionados. Ao anunciar a revogação, o governo se justificou afirmando que o recuo buscava, entre outras coisas, frear a circulação da desinformação. A análise do NetLab indica que, em relação aos anúncios fraudulentos, o objetivo não foi atingido. Ao contrário, nas plataformas da Meta, esses conteúdos cresceram 35% após o recuo.

    Em muitos casos, os anúncios recorreram à simulação de páginas de instituições públicas e privadas. Em 40,5%, eles foram veiculados por anunciantes que se passavam pelo governo federal. Os pesquisadores do NetLab observam que os anúncios exploram a desinformação em torno das políticas públicas voltadas à inclusão financeira. Chamou a atenção deles que, entre as peças publicitárias fraudulentas, aparecem promessas de acesso tanto a programas governamentais reais como também a outros fictícios. Resgata Brasil, Benefício Cidadão, Brasil Beneficiado e Compensação da Virada são alguns nomes utilizados.

    “O fato de estas páginas terem obtido a permissão para veicular anúncios em nome do governo evidencia as fragilidades dos processos de verificação de anunciantes da Meta”, registra o estudo. Os golpistas ofereciam serviços para identificar valores que os usuários teriam direito a receber ou anunciavam a possibilidade de resgate de dinheiro de determinado benefício. Os usuários eram eventualmente levados a crer que precisavam pagar taxas antecipadas para ter acesso a estes serviços. Alguns desses anúncios também promoviam guias fraudulentos que instruíam consumidores a “driblarem a taxação do Pix.”

    Para os pesquisadores, o alcance das fraudes tem sido maximizado pela utilização das ferramentas de marketing disponibilizadas pela Meta, que permitem o impulsionamento de anúncios maliciosos e seu direcionamento para públicos segmentados de acordo com critérios demográficos, geográficos e interesses dos usuários. Eles criticam a falta de transparência no tratamento dos dados pessoais e veem uma falta de controle e de segurança contra a publicidade enganosa, o que favorece a aplicação de crimes digitais no Facebook, no Instagram e no WhatsApp.

    De acordo com o NetLab, ao permitir o direcionamento de anúncios fraudulentos para públicos específicos, as ferramentas da Meta dão aos golpistas a capacidade de atingir as vítimas ideais. “Há no país uma vasta população ávida por oportunidades de ascensão social, que precisa de suporte e políticas públicas do Estado para mudar de vida, o que faz com que os mais necessitados se tornem um alvo prioritário de golpes online”, registra o estudo.

    Procurada pela Agência Brasil, a Meta afirmou em nota que anúncios que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidos em suas plataformas. “Estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas. Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra os Padrões da Comunidade do Facebook, as Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através dos próprios aplicativos”, acrescenta o texto.

    Inteligência artificial
    O estudo revelou que em 1.244 dos anúncios fraudulentos, 70,3% do total, houve uso de ferramentas de inteligência artificial. Foram encontrados vídeos que podem ser enquadrados como deepfakes (falsificação profunda, em tradução livre). As ferramentas foram largamente utilizadas para manipular a imagem do deputado federal Nikolas Ferreira (PL), protagonista da campanha pela revogação da Instrução Normativa 2.219/2024. Ao todo, adulterações envolvendo o parlamentar aparecem em 561 anúncios, sendo 70% destes veiculados após o recuo do governo federal.

    Um deles faz uso de uma publicação original compartilhada por Nikolas em suas redes sociais, na qual comemorava a revogação das novas regras e alegava que o trabalhador brasileiro poderia se tranquilizar por poder “usar o Pix sem a lupa do governo”. O anúncio, porém, manipula o trecho final do vídeo e mostra o parlamentar anunciando o lançamento de uma medida que garantiria o reembolso parcial de gastos realizados com cartão de crédito nos últimos meses.

    Embora tenha sido o principal alvo das manipulações, Nikolas não foi a única personalidade pública que teve sua imagem explorada nos anúncios fraudulentos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é outro que aparece em diferentes vídeos adulterados. Também há conteúdos que utilizam as imagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin, do ex-presidente Jair Bolsonaro, dos deputados Eduardo Bolsonaro (PL) e Fred Linhares (Republicanos) e do jornalista William Bonner, entre outros.

    Moderação de conteúdo
    Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha no ano passado aponta que fraudes baseadas em Pix e em boletos bancários são os tipos de crimes digitais que mais geram receitas no Brasil, causando um prejuízo de R$ 25,5 bilhões por ano aos consumidores. Também em 2024, identificar a origem dos golpes financeiros no país foi o foco de um levantamento realizado pela Silverguard, uma empresa de tecnologia que oferece serviços de proteção financeira digital.

    O trabalho revelou que 79,3% dos casos denunciados por vítimas por meio da plataforma SOS Golpe se iniciaram em alguma das três plataformas da Meta, sendo 39% no WhatsApp, 22,6% no Instagram e 17,7% no Facebook. Os resultados apontaram também que 7,3% dos golpes tiveram origem no Telegram e 5% em uma das duas plataformas do Google: o sistema de busca ou o YouTube. O restante foi associado a aplicativos de jogos, TikTok, e-mail e outros.

    Para os pesquisadores do NetLab, diferentes estudos têm apontado as fragilidades no controle de conteúdo publicitário pelas plataformas da Meta. Eles apontam que uma das consequências é a perda de credibilidade das instituições governamentais e públicas. Isso porque, com o alto volume de anúncios fraudulentos, se reduz a capacidade dos usuários de identificar os anúncios autênticos.

    Há também preocupações envolvendo as alterações nas regras das redes sociais Facebook e Instagram que foram anunciadas recentemente por Mark Zuckerberg, presidente executivo da Meta. Entre elas está o fim do programa de checagem de fatos e outras mudanças envolvendo moderação de conteúdo, como a redução na utilização de filtros que buscam por publicações que violam os termos de uso.

    De acordo com o NetLab, há incertezas sobre o alcance dessas medidas. “A ausência de menção específica à moderação de conteúdo publicitário por Zuckerberg em sua fala não deixa claro se as mudanças impactam a circulação de anúncios fraudulentos”, registra o estudo.

    Fonte: Agência Brasil

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