“Quanto mais tempo uma unidade judiciária demora para analisar e retirar do acervo processos com padrões de irregularidade, maiores as possibilidades do risco de efetivação da fraude”. Foi a partir desse raciocínio que o Tribunal de Justiça do Amazonas desenvolveu uma ferramenta de inteligência artificial capaz de atender as necessidades de trabalho do Núcleo de Monitoramento de Perfil de Demandas (Numopede), cujo objetivo é identificar ações ilegais que tramitam nas Varas da Justiça Estadual, tanto na capital quanto no interior. Essas práticas, prejudiciais ao sistema da Justiça, também são conhecidas como “litigância predatória” ou de “má-fé” e estão relacionadas ao exercício irregular do direito por parte de advogados que, muitas vezes de forma reiterada e intencional, utilizam informações ou documentos falsos para induzir ao erro uma decisão judicial.
De acordo com o juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ/AM) e presidente do Numopede no Amazonas, Áldrin Henrique Rodrigues, os efeitos negativos provocados por esse tipo de transgressão não impactam somente as pessoas que participam da relação processual direta, eles refletem em toda a coletividade. “O problema pode impactar significativamente a capacidade de resposta do Judiciário frente a demandas importantes da sociedade, contribuindo para uma espécie de morosidade perpétua que leva a prejuízos importantes à garantia constitucional de acesso à justiça”, destaca o magistrado.
A ferramenta de combate às ações abusivas e fraudulentas, desenvolvida no Amazonas, recebeu o nome “TIC”, que é a junção das letras iniciais de “Tempo”, “Impacto” e “Criticidade” – elementos considerados fundamentais para análise e solução do problema, segundo a servidora Lydia Neta, que é secretária do núcleo de monitoramento do judiciário amazonense e uma das pessoas responsáveis pela elaboração da metodologia multifatorial empregada à inteligência artificial, que foi desenvolvida pelo servidor do Núcleo de Estatística e Gestão Estratégica do TJAM, João Cláudio Lobato.
Desde agosto o sistema está em fase de teste, disponível na plataforma de Business Intelligence (B.I) do Tribunal de Justiça do Amazonas, com acesso exclusivo para magistrados.
“Antes o trabalho era manual, consequentemente lento e com risco aumentado de imprecisão. Era necessário desenvolver uma metodologia de comunicação entre o núcleo e as unidades judiciárias, mas primeiro precisávamos saber quais eram os parâmetros mais eficientes para detecção dos litígios predatórios. Optamos pelo viés mais objetivo possível, de forma a deixar o magistrado decidir, durante a análise dos autos, pela idoneidade ou não do pedido formulado pela parte”, detalha Neta.
Os critérios objetivos considerados pelo TIC são: volume de processos distribuído num curto espaço de tempo, pelo mesmo advogado, que tem a mesma parte como autora, que tem no polo passivo o mesmo litigante, dentre outros.
Ainda de acordo com Neta, “a metodologia de multifatores e riscos, que hoje está sendo testada pelo Judiciário do Amazonas, foi elaborada com base em preceitos objetivos e pré-definidos, que já existiam no banco de dados tanto do Numopede quanto de outros tribunais. A ideia era criar uma inteligência mais ágil no que diz respeito a identificação dos processos – correlacionando automaticamente as supostas ações predatórias com o número de matrícula dos advogados e com a data de distribuição das demandas”, avalia.
Nos primeiros 30 dias de funcionamento foram emitidos 57 alertas de indícios de fraude. As suspeitas foram encaminhados para as unidades judiciárias correspondentes e, ao longo desse período, o Numopede vem recebendo respostas positivas sobre a eficiência do sistema.
A próxima etapa planejada para o aprimoramento da ferramenta, será a inclusão de um mapa de risco com a projeção do impacto da inação de cada equipe de trabalho. A partir dessa atualização, a inteligência artificial vai mensurar qual o volume de processo correlacionado ao alerta, o excesso de trabalho que a demanda supostamente fraudulenta pode causar para magistrados e servidores, além da percepção do prejuízo causado pelas ações abusivas no cumprimento de metas de cada unidade e do próprio Judiciário.
Funcionamento
Ao que parece, o TIC é uma dos primeiros sistemas de inteligência artificial para identificar indícios de litígios predatórios dentro do poder judiciário brasileiro, ele funciona pela “leitura” preliminar dos dados dos processos, que estão na base do SAJ e Projudi, identificando pesos e notas, conforme preestabelecido. A partir disso ele reconhece e relaciona os processos supostamente críticos e informa ao núcleo de monitoramento.
O próximo passo é emitir o alerta à unidade para análise do magistrado, dependendo do resultado serão adotadas medidas processuais e administrativas de combate a prática irregular do direito.
Em observância aos preceitos éticos tanto do Código de Processo Civil quanto da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o programa não acessa informações relacionadas ao conteúdo do processo, garantindo a proteção das partes e a autonomia do juiz.
Os alertas são emitidos com base no nível de criticidade apontado pelo TIC (que pode ser leve, mediano ou crítico), mas quem confirma a existência de fraude é o magistrado durante a análise processual.
“Todos esses cuidados são para garantir ao cidadão o digno acesso à Justiça e ao advogado a integridade do caráter profissional, até que o magistrado identifique, por próprio convencimento, que houve exercício ilegal do direto”, esclarece o presidente do Numopede do Amazonas, juiz Áldrin Henrique.
Sobre o Numopede
O Núcleo de Monitoramento de Perfil de Demandas (Numopede) foi criado pelo Poder Judiciário do Amazonas em 2021, por meio do Provimento n.º 404 da Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ/AM), para identificar e monitorar demandas judiciais fraudulentas.
Desde o início de 2023, o Numoped teve sua atuação reforçada com iniciativas na área de tecnologia e inovação, a fim de desenvolver condições que favoreçam a prestação de serviços mais céleres e efetivos por parte da Justiça amazonense.
Fonte: TJAM.
Fonte: Portal CNJ